O direito à alimentação comporta uma série de princípios que ultrapassa o que apenas uma leitura simples do dispositivo da Constituição Federal de 1988, poderia interpretar. Essa garantia é tão importante que também é incorporada aos tratados e pactos internacionais a fim de que essa necessidade básica fundamental seja suprida em sua totalidade a todos os indivíduos.
Ter direito à alimentação toca não somente na possibilidade de acesso a alimentos, mas abarca também a segurança alimentar e nutricional e a soberania alimentar. O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), assim como a Via Campesina Internacional, definem a soberania alimentar da seguinte maneira:
“Soberania Alimentar é o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que garantam o direito à alimentação a toda a população, com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses de produção, de comercialização e de gestão, nos quais a mulher desempenha um papel fundamental. Para além disso, é um direito que os povos têm a produzir seus próprios alimentos.”
Uma série de reivindicações comuns entre determinada camada popular acabou por criar uma variante de identidade coletiva dos trabalhadores do campo, chamada MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), organização social dos trabalhadores rurais que reivindicam, acima de tudo, a distribuição de terras para o assentamento, bem como para desenvolvimento de agricultura cooperativa; a desapropriação dos latifúndios em posse de multinacionais, e a reforma agrária, estabelecida pela Constituição Federal, em seu Art 184.
A mobilização deste Movimento ocorre por meio de ocupações em propriedades de terras improdutivas, que devem milhões em impostos para a União ou griladas, segundo o Incra, no Brasil o total de terras sob suspeitas de grilagem é de aproximadamente 100 milhões, quatro vezes o tamanho do Estado de São Paulo, onde são estabelecidos os acampamentos do MST, e exercida pressão pela desapropriação daquela propriedade.
O Movimento, ainda que legítimo, encontra bastante resistência por parte da sociedade, que utiliza de argumentos como o de que o MST trata de invasão de terra e fere o direito à propriedade privada, ou que o movimento é uma espécie de projeto marxista, e que a redistribuição de terra é um passo significativo para o estabelecimento de ideais comunistas no país. Tudo isso com o endosso do Presidente da República Jair Bolsonaro, que, por vezes declarou abertamente sua aversão ao movimento, desejando até mesmo tipificá-lo como “terrorista”, no intento de criminalizá-lo e combatê-lo a partir da Lei nº 13.260/2016.
Apesar das represálias e porque não, da política de sucateamento do movimento, em nome da propriedade privada, que vem acontecendo desde o governo Temer até então, pode-se observar o fortalecimento do movimento e o gigantismo em relação às contribuições deste para a sociedade brasileira, explicitado, por exemplo, na produção e distribuição de centenas de toneladas de alimentos orgânicos.
É notório a importância de movimentos e organizações como a do MST ao observar como se comporta hoje o agronegócio brasileiro. Apenas no ano de 2019, a indústria do agronegócio do Brasil bateu recordes de aprovações de agrotóxicos, aprovando quase 300 substâncias, dentre elas cerca de 41% banidos na União Europeia por tamanha nocividade à saúde humana.
Em contrapartida, os alimentos comprados diretamente do pequeno produtor apresentam preços mais baixos e nenhuma concentração de substâncias tóxicas nocivas. Segundo a própria organização o MST é responsável pela produção de 8 em cada 10 dos alimentos orgânicos, e se tornou o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.
Nem no atual momento de pandemia devido à Covid-19, há escassez na esfera alimentar. O MST não só reforça as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde como possibilita que uma diversidade de alimentos chegue até os mais necessitados. Mais que mero assistencialismo, o ato de doar simboliza necessidade latente, contínua e necessária da organização social, do apoio e respaldo das camadas populares carentes, periféricas, para com a luta pela reforma agrária.
LEGISLAÇÕES PERTINENTES:
Constituição Federal de 1988: (clique aqui)
LEI Nº 13.260, DE 16 DE MARÇO DE 2016: (clique aqui)
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS: (clique aqui)
ESTATUTO DA TERRA: (clique aqui)